PRENÚNCIOS DE MORTE ÀS PEQUENAS FREGUESIAS. Cada vez mais uma realidade.

 

Prenúncios de morte às pequenas freguesias

 

As freguesias pequenas poderão ter o fim anunciado. O Governo está a preparar o projecto de reorganização administrativa do território, onde prevê a criação, fusão e extinção de freguesias. Ainda não são conhecidos os moldes da proposta que se encontra em elaboração, mas a questão é polémica e não parece ter o apoio da Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE), nem dos autarcas e cidadãos. 

Portugal é um país onde impera o bairrismo, onde as pessoas se identificam com as suas raízes e, por isso, a questão tem provocado acesas discussões. O país tem 4259 freguesias, sendo que 128 apresentam menos de 150 eleitores. Os três concelhos do Vale do Homem têm 99 freguesias, e cerca de 80 por cento não têm mais de mil habitantes. Inicialmente, falava-se da extinção das Juntas de Freguesia com menos de 1000 habitantes, a começar pelas zonas urbanas. No entanto, o Governo tem referido que está disponível para dialogar e que vai atender às características de cada caso.
A proposta deverá ser apresentada no Parlamento até ao próximo Verão, para que o processo possa ficar concluído ainda na presente sessão legislativa. No entanto, este só terá efeitos a partir de 2009, quando forem eleitos os novos órgãos autárquicos.
O secretário de Estado Adjunto e da Administração Local, Eduardo Cabrita, referiu a este propósito que aquilo que está em causa é a racionalização de meios públicos e não a questão financeira. A este propósito, o presidente da ANAFRE, Armando Vieira, referiu que "as freguesias pesam no Orçamento de Estado 0,21 por cento, o que é triste e risível para nós". Apesar de manter o diálogo com a ANAFRE, mencionou que a criação, extinção e fusão de freguesias é uma matéria de reserva absoluta da Assembleia da República.
Os critérios que estarão na base da extinção de freguesias ainda estão a ser definidos. De acordo com Eduardo Cabrita, "o critério do número de habitantes não será universal". A grande distância em relação à sede do concelho poderá determinar a manutenção de uma freguesia com poucos habitantes. A natureza urbana e rural das freguesias será também levada em consideração.
Em paralelo, o Governo está tentar encontrar formas de estimular a fusão de freguesias. A Lei das Finanças Locais, ainda em elaboração, introduzirá incentivos nesse aspecto. O diploma em vigor prevê uma lógica contrária, uma vez que se uma freguesia se dividir em duas, o financiamento estatal duplica.


Contra extinções

A polémica está levantada. Os presidentes das Juntas de Freguesia do Vale do Homem, ouvidos pelo jornal Terras do Homem, não concordam com uma eventual extinção, fusão ou criação de freguesias. Todos sustentam que o meio rural apresenta especificidades e que uma medida desta forma apenas faria sentido nos meios urbanos. 
O bairrismo das populações fala mais alto que qualquer argumento económico, cultural ou social. 
Além disso, os autarcas sustentam que no Vale do Homem existem muitas freguesias dispersas da sede do concelho, com graves problemas de desertificação e envelhecimento populacional. Nestas situações, a Junta de Freguesia funciona como um apoio a todos os níveis, umas vez que existem grandes dificuldades de mobilidade.

O presidente da Junta de Freguesia de Paranhos, no concelho de Amares, considera a extinção de freguesias desvantajosa para a população. José Fernandes refere que "tirar a autonomia das freguesias pequenas vai dificultar ainda mais a vida da população e vai aumentar a desertificação". E acrescenta que "ninguém é favorável a perder a identidade da sua freguesia". 
Paranhos situa-se a 3 quilómetros de Caldelas e é uma das freguesias do concelho com habitantes, não chegando sequer a 200. A desertificação é muito visível na freguesia. "O presidente da junta serve também para os ajudar porque está mais próximo. As pessoas sentem-se mais protegidas e já assim muitas vezes é complicado atender a todos os problemas da população", conclui José Fernandes, que luta por uma nova estrada para a freguesia e por transporte público.


Freguesias rurais

No concelho de Terras de Bouro, Brufe é a freguesia com menos população, não chegando sequer aos 100 habitantes. Esta encontra-se também muito dispersa da sede do concelho. O presidente da Junta, Manuel Alves, diz que é impossível juntar as freguesias porque existem muitas diferenças. No entender deste autarca, a solução passa por criar um "desenvolvimento sustentável" e não por extinguir as freguesias. "Não se pode estragar a nossa cultura porque esta freguesia tem cerca de 800 anos", refere, com ar de tristeza. E afirma: "Preferia não receber nada e continuar com a Junta".
Gondomar é a freguesia com menos habitantes do concelho de Vila Verde. O presidente da Junta não está a favor de uma eventual extinção das freguesias, mas acha que é necessário remodelar a forma de gerir as freguesias. "Dado o número de habitantes que muitas freguesias têm discordo que sejam 3 pessoas à frente da Junta", sustenta. E apresenta uma solução: "Devia ficar um representante, que devia pertencer a uma associação de freguesias do mesmo estilo, e devia haver também uma assembleia em conjunto onde se abordassem problemas comuns".



Localidades com história e tradição

Os concelhos do Vale do Homem possuem muitas freguesias de pequena dimensão. Embora algumas tenham uma considerável área geográfica, possuem poucos habitantes. A freguesia da Torre, em Amares, tem menos de 500 moradores, mas, segundo o presidente da Junta, não é isso que lhe tira a identidade e união. "Existe um elo muito grande à freguesia porque há uma história comum, e uma medida assim vai aumentar a desertificação do interior", sustenta, José Gama. 
Também o presidente da freguesia de Loureira, em Vila Verde, não vê benefícios na fusão das freguesias, nem sequer ao nível da racionalização da despesa porque "os três autarcas de uma Junta com menos de 1000 eleitores ganham, ao todo, menos que um funcionário".
A freguesia de Caldelas, no concelho de Amares não seria visada por uma eventual medida, uma vez que tem mais de 1000 habitantes. No entanto, o presidente da Junta de Freguesia emitiu a sua opinião. Carlos Oliveira posiciona-se contra a extinção e fusão de freguesias. "Sou contra porque as características e as tradições de cada freguesia são tão muitos diferentes". E acrescenta que "as pessoas não vão deixar perder o seu local, por isso uma medida deste género iria criar uma revolta e insatisfação".
De acordo com os dados dos Censos de 2001, o concelho de Terras de Bouro tem apenas duas freguesias com mais de 1000 habitantes: Vilar da Veiga e Rio Caldo. No entanto, os autarcas destas freguesias também não são favoráveis a uma possível fusão e extinção de freguesias. "A anexação não iria funcionar muito bem porque cada freguesia tem as suas ideias. O Governo tem é que cortar noutros aspectos", diz Manuel Ferreira. Também António Príncipe, presidente da Junta de Vilar da Veiga discorda. "Eles estão a pensar só nos meios grandes. A extinção e fusão de freguesias nos meios urbanos é fácil, mas nos meios rurais não porque existem muitas carências sociais". E realça que se trata de "uma medida de Secretaria que não favorece as populações".



Origem das localidades

As freguesias têm já uma longa tradição. A rede paroquial fixada no século XI e depois documentada nas Inquirições era muito parecida com as actuais, pois existiam condicionalismos geográficos de povoamento que ainda hoje persistem. Assim, os povoamentos eram constituídos à volta da igreja. Já nesses tempos se usava o termo de freguesia ou paróquia para designar os povoados. Com a Implantação da República, oficializou-se o termo freguesia. 



Competências das Juntas

Questionados sobre esta temática, os presidentes têm uma posição unânime. As competências das Juntas de Freguesia são poucas e, mesmo assim, não existem meios financeiros capazes para exercer as que lhes são atribuídas. 
A manutenção da rede viária é um dos exemplos. Esta está a cargo da Junta de Freguesia, mas esta tem que pedir meios económicos suplementares à Câmara. E alertam que as freguesias que se encontram mais dispersas da sede do concelho ainda têm mais problemas deste género. 



Problemas de licenciamento

Autarcas e cidadãos mostram-se descontentes com a falta de espaço para construção. Esperam a revisão do Plano Director Municipal (PDM) e sustentam que o licenciamento para construção devia ter um parecer das Juntas de Freguesia, em vez de ser uma competência exclusiva das Câmaras Municipais. 
Além disso, referem que nas zonas rurais, o não licenciamento das construções contribui para a desertificação. O facto dos jovens não poderem construir leva-os a sair da freguesia. Agora, com o encerramento de muitas escolas no Vale do Homem, os autarcas temem também um maior abandono populacional.




Regionalização

Questionados sobre a regionalização, os autarcas de algumas freguesias, têm bastantes dúvidas. Contudo, a maioria afirma ser favorável à regionalização, se esta tiver como objectivo descentralizar os poderes. "É preciso saber as competências de cada região para ver se é vantajoso", menciona o presidente da Junta de Caldelas. 
A regionalização poderá estar dependente de uma nova maioria absoluta do Partido Socialista em 2009. O Governo decidiu avançar com a reforma administrativa do país em duas fases. Nos próximos 3 anos serão desconcentrados serviços para as 5 regiões-plano (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve). Só posteriormente se avançará com a autonomia política. 
Esta medida é já apelidada de "regionalização discreta", uma vez que o Governo pretende que na próxima legislatura essa configuração administrativa seja proposta aos cidadãos, através de um novo referendo. Até lá, tentarão criar um amplo debate na sociedade, para que se crie consenso geral em torno de cinco regiões.

  

Autor: Terras do Homem   -  10.03.2006

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